Alice Brueggemann
Alice Esther Brueggemann (Porto Alegre/RS, 1917 – 2001)
Pintora, desenhista e professora gaúcha. Formou-se no Instituto de Artes da UFRGS e desde os anos 50 é uma presença constante em salões e mostras da capital gaúcha, iniciando sua carreira em uma época em que a atividade artística feminina era desacreditada, sendo uma das primeiras mulheres a se intitular “artista plástica profissional”. Manteve por várias décadas um atelier em conjunto com Alice Soares, e durante muito tempo foi desenhista do SESI. Realizou inúmeras individuais no estado e no Brasil, participando também do Panorama da Arte Atual Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Quando Alice Brueggemann começou a ter aulas de desenho e pintura, no início dos anos 40, nem ela própria poderia imaginar que sua longa vida estaria para sempre imantada pela arte, numa história de persistência e fidelidade. Era ainda impossível acreditar na carreira artística como atividade capaz de prover a sobrevivência material de alguém. Para as mulheres, então, uma opção deste tipo tinha um forte caráter de diletantismo.
Entretanto, as descobertas que fez durante sua formação no Instituto de Belas Artes – especialmente como discípula de Ado Malagoli –, numa época em que se confrontavam violentamente os valores acadêmicos e os modernos, tocaram-na, a ponto de acreditar na possibilidade de fazer do ofício de artista uma profissão. Assim, foi buscando caminhos próprios, fazendo escolhas, definindo sua identidade e dando vazão à riqueza de seu universo pessoal, sempre de modo parcimonioso. Para sustentar-se e manter a autonomia de sua pesquisa artística, trabalhou como desenhista para o SESI (Serviço Social da Indústria) durante vinte e oito anos, sem jamais perder o fio que a conduzia invariavelmente de volta à arte.
Sua participação num sistema artístico ainda não inteiramente constituído, que apenas ensaiava formas de inserção no mercado, deu-se pela fiel parceria com amigos, como Alice Soares, sua alma gêmea, com quem dividiu por mais de quatro décadas um ateliê. Aliás, sua geração sempre incentivou a organização grupal como forma de superar as dificuldades de todos. Também atuou como professora na Escolinha de Arte criada pela amiga, a primeira no gênero no Estado, divulgando a importância da experiência artística e da fruição estética na formação integral do ser humano.
Embora tenha se mantido fiel à arte figurativa, aprendeu a capturar para suas pinturas e desenhos o que havia de mais misterioso no espírito moderno. E suas obras foram sendo impregnadas por uma melancolia ímpar, por uma atmosfera onírica, que, na maturidade das últimas décadas, tornou-se metafísica. Dotou suas magníficas naturezas-mortas de tamanha imaterialidade, que delas parece emanar luz. Alguns de seus quadros são configurações de tal forma simbólicas que extrapolam a dimensão do visível.
Passagem obrigatória para quem deseja tomar contato com a melhor parcela das artes visuais rio-grandenses, a beleza da poesia de Alice Brueggemann não pode ser relegada ao esquecimento. Sua parte nesse contrato ela já cumpriu: dedicou-se inteiramente a alimentar de transcendência nosso cotidiano difícil, nossa impossibilidade de comunicação com os outros, nossos dilemas diários. Deixou-nos seu olhar melancólico sobre o mundo, sua tristeza indisfarçável, sua densa introspecção.
As próximas gerações têm todo o direito de conhecer essas obras serenamente arquitetadas, que compõem um único projeto de vida. O compromisso que pesa sobre os ombros de todos os que se sentem responsáveis pela conservação e divulgação de obras de arte, como as de Alice Brueggmann, que se tornaram patrimônio público, é sempre o mesmo: fazer com que continuem existindo, com o mesmo vigor, e da forma como foram concebidas, e que possam periodicamente ser visitadas, como se visita um amigo querido, de quem temos muita saudade.
Fonte: Neiva Bohns, professora e crítica de arte – Jornal do MARGS, nº 67, abril de 2001.
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